13/10/2007

O Outono humano

Dois idosos «reformadíssimos» que tinham na vida activa ocupado cargos de grande importância e visibilidade e que costumavam encontrar-se em visitas a museus, em pesquisas em bibliotecas e na assistência de espectáculos culturais de elevado nível, cruzam-se numa rua central da capital.

- Olá caro amigo, ainda bem que o encontro e aproveito esta oportunidade para me despedir de si, porque amanhã parto para a minha aldeia natal, Vila Nova de Tázem, no coração da Beira Alta, onde vou passar os últimos tempos da vida.

- Oh meu amigo, não quero acreditar. O senhor habituado à frequência do S. Carlos, aos concertos na Gulbenkian, à visitas aos museus, etc, etc, não vai conseguir viver na pasmaceira da aldeia sem os seus passatempos favoritos e o seu alimento cultural. E para mais, vai sentir a falta do apoio de saúde de que aqui na capital dispõe, de uma maneira ou de outra, e de que na nossa idade não podemos estar afastados.

-Tem muita razão naquilo que me diz. Pensei nisso tudo. Mas, sabe, estou numa idade em que me pode dar uma indisposição e cair para o lado em plena rua. Se isso me acontecer aqui na capital, embora haja bons apoios de saúde, as pessoas passam ao lado e dizem «lá está mais um velho bêbado a curar a bebedeira» e nem pensam em chamar o INEM. Mas se for na minha terra, onde faltam os mínimos apoios de saúde, e em tal caso não haja socorro possível, nos minutos antes de morrer, posso ouvir as palavras dos meus conterrâneos «pobre do senhor Nogueira, era tão boa pessoa e chegou a sua hora». E nada paga, o prazer de, em tal hora, ouvir o nosso nome e palavras de amizade e consideração. Por isso, meu amigo, decidi ir para lá.

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